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(Chamada para a
rede fixa nacional)
SERNANCELHE, com uma área de 229,0 km2, 6 167 habitantes e 17 freguesias, é um dos 24 municípios distrito de VISEU.
Reconquistada para os cristãos no séc. XI, esta vila tinha sido anteriormente ocupada pelos romanos e pelos árabes, que por aqui deixaram vestígios da sua presença. A Igreja Matriz em estilo românico é considerada por muitos, uma das mais belas do país.
Numa região em que a actividade agrícola ainda tem grande importância, Sernancelhe é conhecida pela produção de castanha.
Nas redondezas, merecem visita o Mosteiro de Nossa Senhora da Assunção em Tabosa, que foi o último Mosteiro instituído pela Ordem de Cister em Portugal, e o Santuário da Senhora da Lapa que a 15 de Agosto é palco de uma importante romaria.
Vila monumental do Distrito de Viseu, situada junto ao rio Távora, observa-se por assim dizer no vértice de um triângulo viário que, por um lado, dá para Trancoso e, por outro, para Penedono. Como que a coroá-la, vemos os Santuário da Lapa e a Senhora das Necessidades e o altaneiro complexo peregrinacional da Senhora de Ao Pé da Cruz. É a sede de um concelho com 17 freguesias, pertence à comarca de Moimenta da Beira, integra o distrito de Viseu e a diocese de Lamego.
A origem do nome perde-se nas malhas da obscuridade, por mais voltas que empreendamos. Deriva-o a lenda do nobre gesto de um cavaleiro cristão que resistiu ao ímpeto traiçoeiro dos árabes, comportando-se com denotada bravura. Celio (ou Celii, no genitivo latino), depois Celha, teria a obrigação de vigiar a entrada no Castelo, quando os inimigos o haviam envolvido como que num férreo círculo. Um outro, de longe, pressentindo o grave perigo que o Castelo corria e querendo dissipá-lo, branda: Cerra, Célio ! O cavaleiro reagiu impulsivamente ao brado, empurrando os sitiantes e cerrando a entrada. Grito célebre originou nome esquisito e empolgante?!
O povo de antanho radica a denominação na topografia peculiar do nome do Castelo: viria o topónimo de serra (não do verbo cerrar, mas a silhueta do próprio monte em que se acastelara a fortaleza) e celha (já não o antropónimo, mas o nome comum do recipiente a que se assemelha o monte em posição invertida).
A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira assegura que não pode haver dúvida de que o topónimo 'Sernancelhe' é de origem antroponímica: parece pela sua forma antiga, Seniorzelli (século X) o genitivo de um nome próprio pessoal Seniorcellus . Este deve ser um derivado do latino Sénior com o sufixo de sentidi diminutivo ellus e o infixo c eufónico. Tal sufixação é mais aplicável a topónimos originados de nomes comuns e não antroponímicos, como em Arcozelo, Portuzello, etc., mas é paralela à verificada em Seniorinus e Seniorini de que proveio Senhorim. Semorzelli e Sermozelli seriam formas erradas ou de má leitura de alguns autores com relação a Seniorzelli. E o topónimo Seniorzelli mencionado, quer no testamento de D. Flâmula (Chama ou Chamoa) em 960 quer no inventário dos bens do mosteiro vimarenense, em 1059 fundação da Condessa Mumadona, é o Sernancelhe visado neste nosso trabalho.
Pinho Leal, mesmo assim, deriva Sernancelhe de Sermozele , palavra pretensamente constante do testamento de D. Flâmula para designar o Castelo. Seria o grito (sermo) de Célio? Não é fácil determinar com segurança a origem mais consentânea do termo. Certo, certo é que o foral de Egas Gozende lhe chama Cernoceli . A partir daqui a evolução fonética do vocabulário é por demais explicável. A grafia em c, corrente em determinados documentos e perfilhada com a única certa pelo Abade Vasco Moreira, explicar-se-ia pela influência por cruzamento de outros topónimos como Cernada e Cernache ou pela generalização da grafia em c em determinada época tal como agora em s desde que possível.
Fica a Vila a 53 quilómetros a norte de Viseu, a sede do distrito, e a 50 de Lamego, a sede da diocese e Agrupamento dos Municípios do Vale do Douro-Sul. Tem a freguesia 1191 habitantes distribuídos por 391 fogos e é de 923 o número dos seus eleitores. Situa-se na margem direita do rio Távora e dela podemos sair, pela estrada nacional nº 229 para Penedono, se em direcção ao Douro, e para Viseu, se quisermos continuar pela Beira Alta. No sentido de Viseu, ao entrar-mos na estrada nacional nº 226, podemos rumar a Lamego ou à Guarda. A vila entra em contacto rápido com as outras freguesias do concelho por meio de uma rede de modernas estradas municipais.
Pode começar a nossa deambulação pelo cimo da vila. E o que de imediato nos cha à atenção é a Porta do Sol e aquilo que a acompanha ainda: traços de casaria de um lado e do outro, as escadinhas, os estreitos arruamentos novos, a zona de canteiros ajardinados, o parque das merendas e o Monte do Senhor do Castelo.
A Porta do Sol, aberta na cerca da medieva muralha do castelo pode ser a primeira imagem a olhar numa proveitosa deambulação pela vila, a querer mostrar a memória das origens, nem sempre plena de clareza e ilustração, construída em tempos imemoriais pelos íncolas das cabanas neolíticas, sucedida pelo vestígio mal visível de um castro da Idade do ferro, continuada provavelmente por um templo romano, por um templo suévico ou visigótico e assinalada pelo tempo da guerra dos muçulmanos que se derrama no imaginário popular através de tantas lendas e outras narrativas. Localizava-se provavelmente dentro da muralha a capela de S. Pedro, peça artística religiosa de que há memória, ainda que sem vestígios. Hoje por alcantilada escadaria chegamos ao monumento ao Coração de Maria, no alto do Monte do Senhor do Castelo, onde se conserva referência gravada de todas as freguesias do concelho, datada de 1957.
Sernancelhe é, pois, um povoado com raízes em tempos remotos, testemunhadas de muitos modos. Foi uma terra com muitos privilégios, como se pode inferir no número de moradores fidalgos que aqui assentaram arraiais e construíram os seus palácios. São inúmeras as casas nobres, como se deduzirá de um ameno e aprazível passeio pelo interior da Vila.
Subindo junto ao cruzeiro do Senhor do Castelo, um templete do século XVII, que acolhe sob o seu tecto um Cristo gótico, transpõe-se a Lina de uma quase desaparecida muralha que conserva intacta a nascente e a norte os muros que foram o firme alicerce das torres certamente edificadas em pleno século XII, por D. Egas Gosendes, o rico homem que, em 26 de Outubro de 1124, outorgou a esta Vila o primeiro foral. Já o testamento de D. Flâmula, no século X, e o inventário da condessa Mumadona, no século XI, documentam a existência do castelo, hoje praticamente perdido nas brumas da memória. E o seu primeiro foral régio foi outorgado por D. Afonso II, em 1220, a confirmar sem alterações o anterior. Em 10 de Fevereiro de 1514, D. Manuel I dá-lhe novo foral, que não traz significativas alterações em relação aos anteriores, a não ser algumas disposições a obrigar lavradores com posse de bois e vinicultores de notórios recursos.
Do alto do monte, divisa-se, entre sul e nascente, em território planáltico o primeiro povoado histórico de Sernancelhe, enquadrado pela sumptuosidade discreta da igreja matriz, cujo recinto envolve, aqui impropriamente denominado por adro, foi o palco privilegiado da actividade cívica do burgo, a grande praça da convivência comunitarista até ao alvorecer do movimento liberal, que a vila e seu alfoz recusaram de pronto. Vamos fazer uma primeira estação para contemplarmos com o natural embevecimento um verdadeiro escrínio de arte portuguesa.